O escritor José Saramago , muito criticado por afirmar que a Bíblia é "um manual de maus costumes", iniciou hoje, em Lisboa, a apresentação do seu novo romance, " Caim ", dizendo: "Não procurem os hematomas, tenho a pele bastante dura".
Recebido ao fim da tarde com sala cheia, no grande auditório da Culturgest, de pé e com palmas, o Prémio Nobel da Literatura 1998 sublinhou ser essa a única referência que faria sobre "a suposta polémica que surgiu no dia em que foi lançado o livro (em Penafiel, a 18 de Outubro), centrado na figura bíblica de Caim, que assassina o irmão, Abel.
Tal polémica, segundo o escritor, foi desencadeada "a mando da Igreja Católica e com a execução dos seus homens de mão, ou jornalistas de mão, ou outros que se guiam por interesses pessoais ou rancores pessoais", mas não afastou os leitores, "que não se deixaram intimidar pelo arraial".
Vendas ultrapassam 70 mil
"Venderam-se mais de 70 mil exemplares em pouco mais de 10 dias", sublinhou Saramago, acrescentando: "Da Bíblia, parece que se venderam uns exemplares mais e eu congratulo-me, porque as pessoas que não a tinham lido podem agora confirmar a justeza das minhas observações".
A acusação de que faz "uma leitura literal da Bíblia", o autor de "Caim" respondeu, com veemência: "Eu não podia fazer uma leitura simbólica, não sou teólogo - Deus me livre!".
Além disso - prosseguiu - "se fizesse uma leitura simbólica, como a faria? Há muitas! (...) Que bom ser ingénuo, que bom não ser cínico... Tomei à letra o que na letra está".
Depois, instou a Igreja, os teólogos e os padres a "colocarem ao pé de cada leitor da Bíblia alguém que a interprete" ou, em alternativa, sugeriu: "Porque é que vocês não imprimem tirinhas de papel para pôr na Bíblia, para que as pessoas leiam aquilo que vocês querem?".
Embora ateu, Saramago considera Caim "um velho amigo", cuja história leu há várias décadas e lhe ficou na memória, por crer que ele foi vítima de um Deus injusto, que o maltratou e humilhou, o que o terá levado a matar o irmão, quando quem queria matar era Deus.
O "melhor" de sempre
Escreveu o romance em quatro meses e considera-o "do melhor" que produziu, "em todos os aspectos", inclusive "no uso de uma linguagem que não é nova" - "que tem andado sempre comigo", observou - mas que "estava esquecida".
Reiterando que não queria falar da polémica, que classificou como "uma espécie de fartar-vilanagem", José Saramago disse que ela nem sequer lhe "tocou a pele" e que resistirá "a todas as canalhadas que se façam à volta do livro" e da sua pessoa.
"Porque, sem querer parecer vaidoso, estou acima de tudo quanto digam de mim. Não estou acima de tudo o que digam de bem de mim. Isso recebo com alegria, com gratidão", frisou.
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