"Assim é a lei da vida, triunfo e olvido"
(p. 71)
Em Janeiro deste ano, fui a Lanzarote ver a exposição "A Consistência dos Sonhos", sobre a obra de José Saramago. Ele estava então muito doente, mas quando o fui visitar à clínica onde estava internado a minha surpresa não foi tanto com a sua extrema magreza (a Pilar tinha-me prevenido!), mas com a força, a intensidade que acompanhava cada uma das suas palavras.
Foi nessa ocasião que pela primeira vez o ouvi falar do tema do elefante, do livro que gostaria de poder escrever a propósito dessa bizarra oferta dos reis de Portugal ao arquiduque da Áustria. Fiquei então com a impressão, que não podia deixar de ser enigmática, de que a vida de Saramago se encontrava intimamente ligada ao destino dessa obra.
Em Abril, "A Consistência dos Sonhos" veio para Lisboa, para o Palácio da Ajuda. Diferentemente do que acontecera em Lan-zarote, onde ela se distribuía por diversos espaços, a sua apresentação em conjunto num só local melhorou muito o que já era uma notável exposição, das melhores que alguma vez vi sobre a obra de um escritor. Mérito de Fernando Gómez de Aguillera, que soube combinar, num minucioso e imaginativo trabalho de organização, uma rara erudição com um agudo sentido pedagógico e estético.
Nessa altura já José Saramago estava muito recuperado, e avançava n'
A Viagem do Elefante. Mas vi-o muito preocupado com a falta de tempo e de disponibilidade para se dedicar à escrita como queria. E, quando, passados cerca de três meses, regressou a Lanzarote, percebi pelo modo como falava do seu novo livro que ele já não era um projecto mas uma certeza, que só precisava agora da magia da sua ilha para chegar ao fim.
Quando há semanas Zeferino Coelho me convidou para colaborar na sessão de lançamento de
A Viagem do Elefante, participando com António Mega Ferreira numa conversa com José Saramago, não pude deixar de evocar todo este trajecto. E também, ao preparar essa conversa, de pensar no que Saramago quis dizer com este livro, no que ele acrescenta à sua obra, que "mensagem" ele quis insinuar ao seu leitor.
O livro surpreende, como já tem sido referido, devido ao forte contraste entre a gravidade do estado de saúde por que passou Saramago e a ironia com que foi escrito. O mais interessante não é, contudo, este trabalho - sabiamente catártico - da ironia, mas o modo como ela se tornou no mecanismo narrativo central de toda a prodigiosa aventura do elefante Salomão.
Viagem que, situando-se temporalmente no século XVI, no período de consagração da "literatura de viagens" que procurava revelar o Novo Mundo, opta no entanto por um caminho bem diferente, o de perscrutar o homem "de sempre", nas suas variadas ambições e nas suas múltiplas fragilidades. Num contexto histórico que, situando-se próximo da crise que no século XVI levou à perda da independência nacional, não pode deixar de evocar o declinante esplendor de Portugal.
É por isso particularmente significativo que, embora a viagem seja, e com naturalidade, uma metáfora da vida, o elefante Salomão não apareça nesta obra como o símbolo do que quer que seja: de sabedoria ou de força, "à oriental", de lentidão ou de falta de jeito, "à ocidental". Ou ainda, em leituras mais "filosóficas", de tenacidade ou de estoicismo. Ele é apenas um animal que faz a sua vida na ignorância do que os outros pensam ou querem dele. E também do que mais tarde farão dele, que foi o aspecto que, segundo confissão do próprio, mais estimulou Saramago: "O que mais me interessou na história deste elefante foi o fim que ele teve, quando depois de morrer lhe cortaram a patas para servir de bengaleiro à entrada do palácio e lá porem as bengalas, os chapéus e as sombrinhas." (
JL, 5/18 Novembro).
A recusa de atribuir um qualquer simbolismo forte ao elefante traduz a lúcida rejeição de qualquer antropomorfização do animal. Por isso ele não fala, não pensa, apenas se pode suspeitar que "percebe" o seu cornaca, pelo menos quando se trata de satisfazer a encomenda de certos milagres... É que "cada um é para o que nasceu, mas há que contar sempre com a possibilidade de nos aparecerem pela frente excepções importantes" (p. 211). Foi uma destas inesperadas excepções que, mais uma vez, José Saramago não deixou escapar.
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