Nas palavras mais poéticas, a importância do sonho é quase a bússola do longo caminho. Na vida, porém, o seu comando tem contornos mais frios. Menos poéticos. Quem a comanda não é o sonho, é a…realidade! E, o futebol, também faz parte da vida. Por mais que se sonhe antes (de forma legítima) quem comanda (e decide) depois o seu destino é a realidade. E, neste caso, a realidade falou, como sempre, de forma clara: a selecção de Portugal bateu, naturalmente, no muro dos oitavos de final contra uma selecção espanhola muito mais forte, a todos os níveis.
No final, a ideia que fica é que Portugal fez um Mundial…normal. Há razões para sentir-mos desiludidos. Não há razões para nos sentirmos frustrados. Podíamos ter jogado mais frente à Espanha? Sem dúvida, muito mais. Podíamos sobretudo ter…perdido de forma diferente. Ou seja, tentando ganhar. Após o jogo, foi essa sensação de impotência de levar o sonho para o campo da realidade que mais perturbo ao ver que todo o jogo que apenas logo aos quatro minutos já tinha duas grandes defesas de Eduardo para os registos. Imponente, o guarda-redes português foi a figura de uma selecção que viveu presa às suas limitações (tácticas e humanas). Ambas caminham lado a lado, sobretudo num estágio longo onde desde cedo se percebeu que a teia de relações entre corpo técnico (seleccionador no primeiro lugar) e alguns grupos de jogadores, não era, longe disso, a ideal. Ao ponto de o jogador que, antes do mundial todos dizíamos que era insubstituível e o mais importante no nosso jogo, ter acabado o Mundial, antes do jogo mais decisivo, sem sequer contar para o onze. Deco, claro. Não e normal. Não acredito, neste caso, em critério meramente técnicos, independentemente da solução Tiago-Meireles ter sido a ideal para fazer o colectivo crescer.
Em muitos momentos (desde o caso Nani, as declarações de Deco, os desabafos de Ronaldo e Hugo Almeida) falhou, sobretudo, uma estratégia de comunicação para fora. Por dentro, é outra questão e cruza questões de liderança mais amplas. São essas que, nesta fase, mais podem turvar o futuro de Queiroz na selecção, um autêntico “ninho de egos” em que muitos jogadores se acham acima da equipa. Mesmo nesse contexto, levo a frase de Ronaldo “perguntem ao Queiroz” como um desabafo sem pensar de quem é antes de tudo uma personagem festiva que coexiste num corpo de um jogador de futebol. Não uma acção pensada.
No jogo em si, erros de conceito que nos limitaram a sua abordagem. Contra um meio-campo espanhol de baixinhos (1,70m. de Xavi, Iniesta, Villa) Queiroz resolveu combate-los com um gigante, tentando ganhar na altura (Pepe, 1, 80.) Não faz sentido. O jogo não pedia dimensão física. Pedia dimensão técnica. Segurar a bola, serenar jogo, olhar e passar com qualidade. Ou seja, naquela posição específica à frente da defesa, pedia um pivot construtivo como Pedro Mendes em vez de um trinco destrutivo como Pepe. Com esta alteração, o plano de saída de bola português ficou logo condicionado (Tiago e Meireles desapareceram ofensivamente do jogo) e a Espanha passou a ter o que mais queria para jogar bem: a posse de bola e Portugal encostado à sua área.
E, assim, o jogo viveu 90 minutos, num relvado friamente real. Na táctica e nas emoções. Até acabar respeitando a sua lógica mais básica. Ganhou o melhor. Na teoria e, depois, na…prática. Estes não são tempos fáceis para sonhar. Sobretudo quando os sonhos têm pés de barro tão frágeis.
A estrutura e a conjuntura
O jogo, 90 minutos, uma substituição que não corre bem. Isto é, uma situação conjuntural. Um projecto, vários anos, uma filosofia de construção para o edifício global do futebol português. Isto é, uma situação estrutural. É este ponto que, neste momento, importa reter ao avaliar Queiroz. A diferença entre o que é conjuntural (erros e acertos) e o que é estrutural (ideias e valores). Analisar o seleccionador nacional (o seu futuro) nunca poderá ser, numa perspectiva global, ditado por uma mera visão conjuntural. Seja ele qual for. Por isso, pode parecer estranho à primeira vista alguém criticar as opções técnicas de Queiroz e, ao mesmo tempo, defender que ele deve continuar a ser o seleccionador nacional nas próximos dois anos (atempo que resta de duração do contracto). Falo aqui numa perspectiva de continuidade de uma política de continuidade de renovação de todo o nosso futebol, desde as bases da formação, passando por todas as suas selecções jovens até à principal, na qual urge criar novas referências de jogadores de qualidade capazes de manter a nível alto o nossa qualidade de jogo. Tudo isto é estrutural e, para isso, Queiroz tem um plano (mais ninguém o fez até agora) na federação com esse pensamento global do futuro do futebol português.
Não consigo entender como essa ideia tão abrangente (estrutural) pode ser condicionada por uma decisão de uma substituição mal feita (conjuntural). Dirão que tudo aquilo é mais trabalho para um director-técnico do que para um treinador de campo. Até pode ser. Mas essa é outra discussão.
O “plano de jogo” e o “jogo real”
Queiroz é um treinador que dá muita importância ao estudo do adversário antes do jogo. Com essa base, monta a estratégia para o combater e ganhar. Monta o chamado “plano de jogo”. Tudo normal até aqui. Só que depois, vem o jogo real. Na relva, jogadores a correr, bola a saltar. E, muitas vezes, os dois factores (o jogo imaginado no plano e o real desenvolvido na relva) não são bem a mesma coisa. Nessa altura é decisivo que o treinador nunca deixe que o plano de jogo previamente pensado seja ultrapassado pelo jogo real. Isto é, tem de ter agilidade táctica no banco para ver (e decidir) que é necessário…outro plano. Penso, por isso, que a frase técnica mais infeliz de Queiroz surge quando, no final, disse que “a estratégia passava por cansar os espanhóis e depois lançar um jogador mais rápido e criativo”. Explicou assim a tão criticada substituição de Hugo Almeida por Danny. No plano de jogo prévio, a ideia até podia fazer sentido, no jogo real que se estava a disputar naquele momento (então tacticamente estabilizado e com Portugal ma crescer em posse ofensiva) era imperioso perceber que o plano de jogo prévio já não tinha aplicação. Queiroz, porém, manteve-o e, com isso, fugiu do…jogo real. E perdeu, naturalmente.
Com a Espanha, a partir dai, a controlar a bola, espaços, remate. O jogo, enfim. Ainda faltava muito para jogar, mas poucos de nós (tirando o campo da emoção) acreditavam ser possível dar a volta. Não era, Nessa altura já andávamos em campo com o plano (mapa) de jogo, que já começara pela troca de Pedro Mendes por Pepe (em vez de jogar, pressionar) totalmente equivocado.